terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Sopa de Letrinhas



Dócil e obediente, sorveu contente a diária porção do letrado macarrão. Certo estava que a colorida iguaria decerto lhe daria a ansiada sapiência para concluir a sentença. Austregésilo, Sábio Mestre, fornecera-lhe a receita da escrita perfeita: "se quiseres bem exercer o mister do bem escrever, muitos livros vender, muitas mulheres foder, primeiro tens de aprender a arte do bem comer. Ao contrário do que se apregoa, o centro criativo do homem fica entre o estômago e o pâncreas. Toma sopa de letrinhas. Descortinar-se-á, para ti, o anelo do escriba legionário, a Palavra-Martelo, o Verbo-Luz."
Por meses e meses e outros meses aplicou-se em seguir, com disciplinada disciplina, a degustativa exortação. Letras no almoço, letras no jantar. Vez ou outra, uns leguminosos para acompanhar. Entretanto, malgrado o alfabético sopão, a conclusão da sentença mais distante parecia. O Mestre desaparecera no topo da montanha, provavelmente arrebatado pelo carro de fogo azul azulado.
Revoltado, entregou-se com paixão à etílica libação. Cambaleante, calvária rodopiante, regurgitou a malfadada e recém-devorada sopa. Esfuziante, divisou na pista a pista elucidativa da aniversariante assertiva, a palavra final, o verbo ideal. Em meio ao vômito fedorento, lá estava, para quem quisesse ver e soubesse ler. Enfim, o fim do aforismo, o axioma com final, bradado aos céus em tom de afronta divinal: "Escrevinha o escrevinhador, canta o cantador, escreve o escritor, conta o contador. O sucesso sobrevêm àqueles que têm MIOJO." Riu leve e solto. Agora sabia onde encontrar a tal Luz que alimentaria seu criativo cérebro abdominal. O Mestre, Iluminado, estivera muito próximo da Verdade. A Verdade instantânea oriunda do Japão. A Verdade-macarrão.

Carlos Cruz - 26/02/2008

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Idiossincrasias


Tinham gostos semelhantes, opiniões semelhantes, temperamentos semelhantes, ideologias semelhantes, genitálias semelhantes. Duas mulheres lindas, exuberantes, inteligentes, bem-sucedidas, perfeitas! Amavam-se com um amor de fêmea: intenso, sutil, oral. Certa noite, surgiu um falo. Não um falo qualquer, mas um falo grande, volumoso, de avantajado diâmetro e envergadura. Duro, vibrante, pujante. Meteu-se no meio das amantes, separando-as. Foi o racha, a divisão das rachas. Tempos depois, surgiu outro falo, tão grande, volumoso, de avantajado diâmetro e envergadura, duro, vibrante e pujante quanto o primeiro. Meteu-se no orifício que fica atrás do saco. Após o encontro dos falos, as rachas uniram-se novamente, as fêmeas reconciliaram-se. Os quatro concupiscentes promoveram bacanais, muitos. Falo e falo. Vulva e vulva. Vulva e falo. Falo e ânus. Falo e vulva e falo e ânus. Gozaram e viveram felizes para sempre.

Carlos Cruz - 06/11/2007

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Lingüística I



Paris. Ano 1903. Ferdinand de Saussure, durante a realização de um experimento ilustrativo sobre o uso do caso genitivo em sânscrito, tenta mesclá-lo ao gótico e ao alto alemão. Às cãibras na língua sobrevêm os movimentos involuntários e, por fim, o nó. O rebuliço causado pelo inusitado fenômeno leva os estudiosos a criar uma nova ciência a fim de estudá-lo, à qual, arrazoada e apropriadamente, houveram por bem chamar de Lingüística.

Carlos Cruz - 13/12/2007