quinta-feira, 30 de abril de 2009

A Trompa de Falópio





Falópio não toca trompa
ainda que lhe sobeje pompa
carece de talento.

Versejar sobre o intento gerativo
Parir a seco ostras sem pérolas, sem lauréis
Tornar-se trama de mamas e menestréis
Não querer não ser mas ainda assim existir
Criar e procriar as criaturas que criarão e procriarão
Genitora pai de ser (o sacripanta do inferno cão).

Fêmea que doa à toa numa boa a coroa
Parafraseia a farsa falha chauvinista dos sem-chave
Lidera a rústica rebelião aparvalhada das esteiras de palha
Estorva a benemesse dos rufiões filhos da pútrida maquiada
Finca o ranço dos descamisados ornamentados com colares de ouro
Tonifica seu tônus, lubrifica seus ânus, flâmula causticante.

Abre-se, Césamo, para o porvir das ninfas criadas de Hades
Ardam, escapistas alpinistas de vulvas capilares proeminentes
O fusca ofusca suas vicissitudes vãs de pulhas ordinários
Crentes pernósticos atabalhoadamente jogam seus dados sovinas
Dementes, descontentam e gargalham euforicamente
Ser mulher é melhor que ser uma inútil e burra golfada de porra.

Gosto do gosto da uva
Porque ma tenho, linda e má.
Pairo
Gozo
Avalancho.

Volátil
Vulva.

Carlos Cruz - 29/03/2009

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Sub ou Sobe e Desce ou O Insubstituível, A Caveira Sorridente e A Sôfrega e Lenta Degustação da Iguaria Gélida


Mangueira. Pico do morro. Pico do mundo. "Tem pico?" "Não. Preto e branco só. Vai?" Traficantes traficam. Crianças-descalças-de-bermudas-coloridas-sem-camisa soltam pipa. O sol escalda. Corpos enegrecidos ardem nos microondas movidos a borracha e gasolina, exalam cheiro de churrasco. Homens reunidos em toscos botecos improvisados bebem sofregamente e riem desdentadamente.  Cantarolantes mulheres morenas estendem roupas no varal. Ladram vira-latas com pelada. Mais adiante, outras crianças jogam pelada. No barraco do Sobral, Elvira, pelada e suada, estendida sobre a colcha bordada com o escudo do Flamengo, sorve, lânguida, os fumos do baseado. Passa o bagulho para Tião Boca Quente, que dá uma bola, alegremente.
- Porra, Vivi, não sei o que é melhor, foder você ou fumar um depois.
- Que porra é essa, Tião? Quer dizer que você prefere fumar um bagulho do que me foder? Você acabou de acabar comigo agora. Sou menos gostosa do que um bagulho. Puta que o pariu!
- Que que isso, potranca. Cê sabe que você é especial, a minha cadelinha particular.
- Sua cadela particular o cacete! Pertenço ao Sobral. Com você é só sexo. Eu pego você.
- Pega eu porra nenhuma! Esse negócio de mulher dizer que pega homem é uma babaquice modernosa. Eu sou o Tião Cabuloso, sou bonito, gostoso e maldoso. Ninguém se mete comigo. Nem o Sobral.
- Tá legal. Você é muito mal... Ih, cacete! Lá vem o Sobral!
- Ai, meu Jesus Cristinho!
          Tião salta da cama, abre as portas do guarda-roupa abarrotado, tentando, desesperadamente, entrar.
- Hahahahaha! Você é um covardão. O Sobral, a essa hora, deve estar rindo à toa. Hoje ele vai ser promovido de empacotador a caixa do supermercado.
- Porra, não faz mais isso não. Quase me mata de susto.
- Ah, tadinho... Ficou assustadinho, foi? O coração tá batendo rápido, tá? Vem cá que vou fazer ele bater mais rápido ainda.
          Sexo.

- Seu Sobral, pode vir à minha sala um minuto? - a cara do gerente não era nada boa.
- Claro. "Babaca. Nunca gostou de mim. Se fudeu, vai ter que engolir minha promoção. Vai ter que ME engolir. Que sorte o dono dessa bosta ter ido com a minha cara..."
- Por favor, Seu Sobral, encoste a porta e sente-se... Seu Sobral, há quanto tempo o senhor trabalha conosco?
- Doze anos.
- O senhor gosta de trabalhar aqui?
- Sim, gosto muito. "Porra! Tem que ter interrogatório? Por que esse filho da puta não diz logo que fui promovido?"
- O senhor sabe das dificuldades pelas quais a empresa vem passando?
- Hã?... Dificuldades?... Não. Sei não.
- O senhor sabia, Seu Sobral, que todo mês a empresa promove uma reunião aberta à participação de todos os funcionários, para tratar de assuntos relativos à empresa?
- ... É... Já ouvi falar.
- O senhor sabe ler, Seu Sobral?
- Sei, sim senhor.
- O senhor costuma olhar o quadro de avisos, Seu Sobral?
- Às vezes, quando dá tempo.
- Costumamos afixar o memorando que informa as datas das reuniões com um mês de antecedência. O senhor já viu algum memorando desses, Seu Sobral?
- Não. - Sobral estava começando a ficar irritado. Aquela mania do gerente de ficar repetindo o nome das pessoas, o tempo todo, era extremamente irritante.
- Bem, Seu Sobral, tentarei ser o mais direto e objetivo possível.
- Claro. "Ah, tá de sacanagem!"
- A nossa empresa, Seu Sobral, está no mercado há mais de cinqüenta anos e sempre foi uma das líderes em nosso segmento. Nossa filosofia de privilegiar o cliente, primando pelo bom atendimento, embasados na máxima que reza, acertadamente, que o cliente tem sempre razão, elevou-nos a um patamar superior com relação às concorrentes. Estamos sempre preocupados em criar meios que façam o cliente sair de nossa loja com vontade de voltar. É nosso diferencial: inovar, idealizar e implementar. Atrair o cliente, sempre, até o mais recalcitrante. E com isso crescer. Idéias, Seu Sobral. As idéias sempre agregam valor ao nosso negócio.
- Sei... "Caralho. Sempre, sempre, sempre... Ele não disse que ia ser direto?"
- O senhor, Seu Sobral, com sua atitude indiferente, jamais participando das reuniões, demonstrando total desinteresse pela empresa, tornou-se um perigo para o futuro de nosso negócio.
- Perigo? Como assim? Eu sou da paz.
- O senhor não entendeu, Seu Sobral. Os funcionários são vistos pela empresa como colaboradores e devem se portar como tal, para o bem de todos. Se todos se engajarem no objetivo de ajudar a empresa a crescer, ela cresce e todos são beneficiados. O senhor, Seu Sobral, não teve um aumento salarial no mês passado?
- Tive. Seis reais de aumento. "Filho da puta!"
- Viu só? Isso foi fruto do esforço de todos pelo bem da empresa. Mas há aí uma injustiça: o senhor teve um aumento salarial em virtude do esforço alheio. O senhor, Seu Sobral, em nada contribuiu para isso.
- Como não contribuí? Não chego atrasado, nunca faltei, faço meu serviço direito. - a irritação recrudescia perigosamente.
- Mas não faz nada além disso, Seu Sobral. A empresa não quer esse tipo de funcionário. Seu Sobral, lamentavelmente fui incumbido de lhe dizer que o senhor não integra mais nosso quadro de funcionários.
- O quê? Como é? - a irritação deu lugar à confusão.
- O senhor está demitido, Seu Sobral. Passe no departamento de pessoal para assinar a rescisão. A secretária lhe informará sobre o valor que tem a receber.
- Mas vocês não podem me demitir! Trabalho aqui há doze anos! Sou o funcionário mais antigo! Preciso desse emprego! Tenho família pra sustentar!
- Seu Sobral, não torne as coisas mais difíceis. Saia, por favor. - o gerente abriu a porta.

          Sobral não foi ao departamento de pessoal. Seguiu para o morro, precisamente ao barraco de Tonho Caolho, o gerente do tráfico local. Antes de entrar foi abordado pelo soldado de chinelos havaianas, bermudão e camisa do Flamengo, com um AR-15 pendurado no ombro. A bandoleira parecia grande demais, o cano da arma quase encostava no chão.
- O que tu quer aqui, Seu Sobral? - o menino tinha sido vizinho de Sobral, mudara-se para um barraco melhor depois que começara a trabalhar no tráfico.
- Quero falar com o Caolho.
- E o que tu quer com ele?
- Comprar uma arma.
- E pra que tu quer uma arma?
- Coisa minha.
- Aí, se tu quiser eu tenho uma 9. Tá novinha, olha aqui. - tirou a pistola da cintura, uma Glock 9 mm, entregou a Sobral.
- Quanto você quer na arma?
- Olha, se fosse pra outro, eu ia pedir mais, mas como é pra tu que é sangue, vou fazer um preço legal. Me dá trezentos e tá tudo certo.
- Segura aí. - Sobral pagou. Havia recebido seu pagamento no dia anterior. Aquele dinheiro seria para fazer compras no mercado e pagar a farmácia. Seria.
- Também preciso de algemas.
- Vai brincar de polícia, tio?
- Não. Vou brincar de juiz.
- Ah, tá. Tenho aqui uma que roubei de um verme que quebrei.
- Quanto é?
- Né nada não, tio. Tenho outras.
- Valeu.
- Já é... Olha lá o que tu vai fazer com isso, hein, tio?

          Silveira olhou o relógio. "Opa! Hora do almoço." Nem precisava conferir as horas, seu estômago era tão metódico quanto o próprio Silveira, cuja alcunha, pronunciada entredentes pelos funcionários do supermercado, sempre que ele passava com sua costumeira expressão de fastidiosa insatisfação, era "O Redondo", uma claramente irônica alusão à sua obesidade combinada com sua mecânica e britânica pontualidade. Trancou a porta de seu escritório; como de hábito, girou a maçaneta três vezes para conferir. Depois, aproximou-se de Joana, a fiscal de caixa, dizendo-lhe as mesmas palavras que, invariavelmente e há mais de três anos, dizia todos os dias: "Joana, vou almoçar. Se tiver algum problema que não consiga resolver, me ligue. Você tem meu número?" A fiscal repetiu a resposta de sempre: "Tenho. Bom apetite."  O gerente caminhou até o estacionamento, entrou no carro, introduziu a chave na ignição. Antes de acionar a partida, sentiu algo frio em sua têmpora e ouviu uma voz grave e nervosa: "Não grite, não faça nenhum movimento brusco, não seja burro se não quiser morrer aqui mesmo. Sem sair do carro, vá para o banco do carona, bem devagar." Era uma pistola. Era Sobral. Era Sobral com cara de mau apontando-lhe uma pistola e ditando-lhe ordens. Trêmulo, obedeceu. Sobral entrou no automóvel, colocou algo no banco traseiro e, com a arma apontada para a cabeça de Silveira, passou-lhe as algemas. "Coloque no braço, bem devagar." Assim fez. Sobral colocou a outra, comprimindo ambas. "Tá muito apertado!" "Cala a boca, porra! Quem te autorizou a falar? Caralho, por que o banco tá molhado? Você molhou as calças, seu covarde filho da puta?" Sobral deu a partida e manobrou o carro, direcionando-o para a saída. "Não tente nenhuma gracinha senão te encho de bala. Não tenho mais nada a perder." O trânsito, àquela hora do dia, estava bastante intenso. Silveira permaneceu calado até acessarem a Estrada do Joá. "Para onde você está me levando?" "Para sua casa." "O que você quer na minha casa, Seu Sobral? A bronca do senhor é comigo, deixe minha família em p..." O bofetão impediu a conclusão da frase, um filete de sangue escorreu do nariz de Silveira, passou por seus lábios e gotejou na camisa branca de seda. "Olha o que você fez! Não mandei calar a porra da boca, caralho!? Dá um jeito de limpar essa sujeira! Vou repetir: se algum polícia parar o carro, dou um tiro na sua cabeça. E pára com essa porra de 'Seu Sobral', ô caralho!" Silveira, com dificuldade, retirou o lenço do bolso da camisa, limpou o sangue do rosto. A mancha na camisa não havia como limpar. Trafegaram mais alguns quilômetros, em silêncio. À certa altura, Sobral parou o carro às margens da via, em um local onde não podiam ser vistos pelos demais motoristas. Desligou o motor, retirou a chave da ignição. Estavam à beira de um despenhadeiro. O sol de meio-dia refletindo seus raios na água azul do mar proporcionava um exuberante e ofuscante espetáculo. Mas Sobral não estava ali para admirar as belezas naturais do local. Tinha uma tarefa a cumprir. Sempre apontando a arma, saiu do automóvel e ordenou: "passe para o banco do motorista!". Silveira, antevendo o pior, demorou a atender à ordem. "Anda, porra! Não tenho o dia inteiro!" O gerente, suando em bicas, volveu o corpo para o assento esquerdo. Sobral tirou algo do bolso da calça, entregando a Silveira. Um tubo de cola Super Bonder! "Agora, tire a tampa e passe nas mãos. Nas duas!" "Olha, Seu Sobral, por favor... Sei que fui duro com o senhor... Mas não é nada pessoal, o dono da empresa mandou enxugar o quadro de funcionários... Ordens são ordens, eu tinha de cumprí-las..." "Isso! Ordens são ordens! Então cumpre a minha ordem e besunta as mãos de cola! Anda, porra! Ou prefere levar um pipoco na cabeça?" Silveira, chorando copiosamente, passou a cola nas mãos. Sobral retirou mais dois frascos do bolso. "Toma! Passa mais!" O gerente esvaziou os tubos. "Agora, agarra o volante, segura bem firme!" "Não faça isso, Seu Sobral... Por favor, eu imploro! Tenho família!" "Ah, você tem família, seu filho da puta? Por acaso você se importou quando eu disse a mesma coisa lá no seu escritório? Não! Você cagou para mim! Cagou para minha família! Como foi que você disse? Ah, sim: 'Seu Sobral, não torne as coisas mais difíceis'. Segura a porra do volante!" - brandiu a arma perigosamente. Silveira apertou o volante com força, o rosto banhado em lágrimas. Sobral aguardou alguns minutos, contornou o veículo, abriu a porta do carona, repôs a chave na ignição e retirou aquilo que havia depositado no banco traseiro: um recipiente de plástico, verde, do tipo usado para guardar combustível, cujo conteúdo despejou no interior do carro. O forte cheiro de gasolina fez as súplicas e o pranto de Silveira aumentarem consideravelmente de intensidade: "Não faça isso, Seu Sobral! Eu devolvo seu emprego! Aumento seu salário! Dou tíquete-alimentação, plano de saúde, vale-transporte!... Uma promoção! Te dou meu cargo! Dou o que o senhor quiser, mas, por favor, não faça isso!" Sobral acendeu o fósforo. "Isso é pelo bem da empresa, 'Seu Silveira'. O senhor, com sua atitude agressiva e pedante, perseguindo e humilhando os funcionários, mesmo os mais dedicados, não agrega valor ao nosso negócio. Lamentavelmente, fui incumbido de lhe dizer que... o senhor está demitido! Nos vemos no inferno, babaca!" "Não! Não! Nãããão!" Sobral lançou o fósforo, as chamas rapidamente espalharam-se pelo interior do automóvel. Silveira gritava horrivelmente. Sobral lançou o galão de combustível, devidamente tapado, no porta-malas e empurrou o carro para o precipício. Ouviu a explosão, mas não ficou para assistir ao show pirotécnico. Célere, correu até a estrada, à margem da qual já alguns curiosos paravam seus veículos e olhavam a fumaça com aquela cara idiota típica dos curiosos. Como sempre acontecera ao longo de sua vida, sua figura franzina, comum, passou despercebida. Aproveitando-se do trânsito lento, embarcou num ônibus com destino à Barra da Tijuca.
- Parece que o acidente foi feio. - comentou o cobrador.
- É. Parece.

          "Sobral!"
- Porra, lá vem você de novo com essa brincadeira idiota. - tapa - rebola essa bunda, vai, minha vadia gostosa. - imobilidade - puta que pariu! Eu já tava quase gozan... Sobral!... - estupefação - eu posso explicar...
- Cala a porra dessa boca! Já matei um hoje, pra matar outro não custa. - mirava o lado esquerdo do tórax de Tião, sem tremer, firme, impassível, sem pensamentos, sem sentimentos.
- Eu não tenho culpa! Ela que quis me dar! Eu sou homem! - lençol urinado.
- Você é um grandessíssimo filho da puta covarde, isso que você é! - enfezou-se Elvira, esquecendo-se, momentaneamente, do perigo maior.
- Já mandei calarem a porra da boca! - silêncio sepulcral.
- Pega a cartela de azulzinha! - para a mulher.
- Hã?
- Pega a caralha da azulzinha na gaveta da cômoda! Aquela merda de remédio que eu tenho que tomar pra foder esse seu cu fedorento, sua vaca!
          Elvira obedece, tremendo de raiva e medo.
- Agora dá três comprimidos pra esse babaca!
- Mas, amor...
- Amor é o caralho, sua vadia do caralho! - o soco atingiu Elvira no pau do nariz; o melado, incontinenti, escorreu pela boca e chegou aos seios da mulher. Entre lágrimas e sangue, entregou as cápsulas na mão de Tião.
- Agora engole, traíra desgraçado!
- Mas, Sobral!
          Pistola na têmpora esquerda, cutucando.
- Engole!
          Os comprimidos descem goela abaixo, com a providencial ajuda do vinho Sangue de Boi no copo de requeijão ao lado da cama.
- Agora, vamos todos ver um filme. - Sobral, sempre apontando a arma para os amantes, segue até a cômoda, pega um DVD, retira o pequeno disco e o introduz no aparelho. Preme o play e a tecla de avançar, aperta o play novamente. Na cena, a atriz Belladonna encara uma trupe de seis negros dotados de enormes estrovengas que revezam nos orifícios da atriz. Sobral senta-se em uma poltrona, de frente para o casal de adúlteros. Tião desvia o olhar para a parede.
- Olha o filme, caralho! - o amásio obedece.
          Trinta minutos depois, Tião não mais sabia o que fazer para disfarçar a ereção. Sobral ergue-se, aproxima-se de Elvira, esbraveja:
- Chupa ele! - tapa na cabeça, segundos de olhar atônito - chupa o pau dele, vagabunda! - novo tapa na cabeça, mais forte.
- Mas, Sobral...
- Caralho! Você é surda ou o quê? Não vou falar de novo: CHUPA A PORRA DO PAU DESSE FILHO DE UMA PUTA!!!
          Elvira cai de boca. Chupa, lambe, chora, lambe, chupa, chora. Malgrado o pavor, o pênis de Tião é todo veias e rigidez, a glande roxa, inchada, parece que explodirá em carne, sangue e sêmen a qualquer momento. Após alguns minutos, Sobral retirou algo do bolso da calça... Um tubo de cola! Puxou Elvira pelos cabelos.
- Ai!
- Agora, esvazia isso no pau dele!
- Mas, Sobral, isso é cola!
- É mesmo? Não brinca. Tem certeza? - tapa na cabeça - passa logo essa porra no pau desse viado antes que amoleça! Rápido ou te dou um tiro na cara, sua piranha! - mais um tapa.
          Elvira descarregou o tubo de cola no pau de Tião, potente príapo condenado pelos efeitos do poderoso medicamento.
- Agora senta em cima dele!
- Mas... - porrada.
- SENTA NA PORRA DO CARALHO, CARALHO!
          Ela sentou. A queimação na vagina, provocada pela super-cola, produziu ainda mais lágrimas. Quanto a Tião, parece que a ação causticante do ultra-adesivo surtiu um efeito impossível: aumentou ainda mais o tesão - o pau latejava nas entranhas de Elvira. "Agora sim! Não gosta de foder, puta? Agora vai ter sempre um pau na boceta. E ainda pode dar o cu e chupar o pau dos outros machos filhos-da-puta. Eu não sou um bom marido? Responde, cadela!" - tapa na cara, mais lágrimas. "É..." Sobral amarrou Elvira em Tião e ambos na cama. Usou panos de prato para amordaçá-los. Quedou-se algum tempo fitando os corpos nus e seus rostos suplicantes. Subiu na cama, posicionou-se sobre eles, flexionou as pernas, encostou o pênis no ânus de Elvira, segurou seu queixo, forçando a cabeça para o lado até seus olhos se encontrarem. Voz gélida, tom baixo, disse: "Eu não sou um bom marido." E cravou-lhe o pênis, de uma só vez, no reto. Meteu, meteu, meteu, sem dó, até ejacular, um gozo raivoso, intenso, remissivo. Ainda arfante, introduziu o cano da arma no ânus de Elvira e atirou. Ela estremeceu e passou a debater-se. Mas não era ela, era Tião que tentava, em vão, livrar-se das amarras, enquanto emitia sons roucos e surdos. Dois tiros na cabeça e cessaram as convulsões. Sobral olhou os cadáveres, o sangue enrubescia o lençol branco e formava uma poça no piso de ardósia. Vomitou. Nauseado, lavou o rosto na pia da cozinha. Retirou do armário alguns frascos de álcool e um tubo de tinta spray. Letra de imprensa, escreveu na parede: "OS ALEMAO TRAIDOR TEM QUE MORRER. CV". Esvaziou os frascos de álcool sobre os cadáveres e os móveis do quarto. Ateou fogo. Foi-se.

          Caju. Cemitério São Francisco Xavier. 09:30 h. Chuva fina. Frio. Melancolia intermitente entrecortada por ruídos de motores e buzinas. Seis pessoas com trajes e óculos negros observam o esquife, confeccionado em madeira de lei e finamente ornamentado com cruzes douradas, ser devorado lentamente pela grande boca escancarada e sem dentes, enquanto ouvem, em silêncio, o salmodiar do clérigo: "O Senhor é meu pastor, nada me faltará. Deitar-me faz em verdes pastos..." À cabeça de Sobral, sobreveio a lembrança do encontro, há semanas, com o crente filósofo maluco beleza e o papo do pó. Papo-meio-cabeça, total e interessantemente confuso, que oscilava entre a sina telúrica e inevitável do homem, a insustentável leveza do ser, o paralelo existente entre as grandes corporações multinacionais e os cavaleiros do apocalipse, o mito da caverna de Platão, a comunhão plena com o cosmos, a racionalização esdrúxula do prazer, a viagem astral por meio da cocaína e "do pó vieste, para o pó voltarás". Um baque surdo o fez sair de seus devaneios, a roldana pela qual passava a corda que sustinha uma das extremidades do caixão havia se soltado do eixo. O féretro, de qualidade, resistiu. O coveiro da outra ponta tratou de acelerar a descida. Durante o tradicional arremesso de cal, Sobral viu aproximar-se o Senhor Gustavo Araújo Pompeu de Menezes e Albuquerque, o todo-poderoso fundador e sócio majoritário da Rede Happy Client de Supermercados. Parou à beira da cova, lançou um olhar vazio, inexpressivo, para baixo, para o fundo. Sobral aproximou-se, postando-se ao lado de seu ex-patrão.
- Uma grande perda... (suspiro) Aí está um homem de quem se pode afirmar, sem receio de errar, que amava seu trabalho, um homem cujas idéias, indubitavelmente, agregavam enorme valor à empresa, um homem que não media esforços para atingir as metas propostas, que defendia apaixonadamente os interesses da empresa, um homem que dedicava-se, quase exclusivamente, ao seu trabalho, ainda que tal dedicação demandasse sacrifícios em sua vida pessoal. Enfim, um homem insubstituível. Quem poderia ocupar o lugar de tamanha competência?...
- Qual é mesmo seu nome?
- Sobral.
- Há quantos anos o senhor trabalha conosco, Sobral?
- Doze anos.
- Bem... Tenho uma proposta a lhe fazer... Se preferir, não precisa me dar a resposta agora... Funcionário Sobral, o senhor aceita o cargo de gerente do supermercado?
- Sim, aceito.
- Ótimo. Apresente-se amanhã, pela manhã, no Departamento de Pessoal.
- Sim senhor.
          Sobral foi o último a afastar-se do sepulcro. Antes, precisava dar o adeus derradeiro a Silveira. Correu os olhos em torno para certificar-se de que estava só, voltou as costas, abaixou as calças, abriu e rebolou a bunda cabeluda na direção do túmulo do finado gerente. Nauseabunda e ruidosamente, peidou. Corpo e consciência leves, sorriso nos lábios, ganhou a rua, diluiu-se na turba. Indiferente, insensível e barulhenta, a cidade entardecia.

Carlos Cruz - 10/04/2009

segunda-feira, 13 de abril de 2009

O Inquérito





Empedernidas, inexoráveis, ameaçadoras. Volitavam ao seu redor. Centenas, talvez milhares. De quando em vez, intermitentemente, uma delas desprendia-se da revoada e arremetia, num rasante. Romualdo esquivava-se. Por fim, enfastiado e exausto, decidiu seguir o conselho de seu amigo, o vereador Aristides Hepaminondas: "Quando houver muitas caralhas voando à sua volta, pegue uma e enfie no cu. As outras irão embora, à caça de outros cus para penetrar." Fitou o céu que voltara a ficar azul. Certamente, sentir-se-ia aliviado, não fosse aquela coisa, incômoda e pulsante, alojada em seu reto. Prometeu a si mesmo, pela centésima vez, abandonar a Política.

Carlos Cruz - 17/12/2007

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Sabatina Silvestre





Só. Sábia, a sabiá sabia safar-se das sandices dos safados sicofantas. Só. Sonhos suaves e sonoros sonhava sua santidade sacripanta. Só. Sagrados sortilégios soluçava de soslaio. Só. Sobressaía sobremodo sua silhueta sinuosa. Só. Sentava-se, sorvia e soprava o saxofone soprano. Só. Sentia-se surda, solitária e sem sorte. Só. Sensata, solfejava satisfeita sua sina selvagem e sarnenta. Só. Somatizava a surdez dos suados e secos sacos de saliva. Só. Sazonava simplórias siriricas sem sal, sem sabor. Só. Silicones sem seios. Só. Stacatos sorrateiros. Só. Sindicatos solidários. Só. Sorumbáticos sorridentes. Só. Sábados sem sol. Só. Silvos sem som. Só. Serafins sem sexo. Só. Sifões semeavam serpentes sagazes. Só. São Sebastião servia sarapatel com sermão. Só. Saúvas saudáveis sangravam silêncios. Só. Solidão. Só solidão.

Carlos Cruz - 31/03/2009