terça-feira, 1 de janeiro de 2019

crônicas policiais VII -Fim de Ano




-Inspetor Cruz! - chama uma voz feminina às minhas costas enquanto caminho apressado na calçada. Volto-me com a cara amarrada pois estou com pressa e sei que o "Inspetor Cruz" significa cliente de Delegacia querendo que eu interrompa meus afazeres e minha merecida folga para tentar resolver seus problemas. Deparo-me com uma senhora na casa dos cinquenta anos, toda sorrisos, uma fisionomia longinquamente familiar.

-Quero agradecer ao senhor pela ajuda que o senhor me deu aquele dia. Eu tava muito nervosa e não disse nem um obrigado pro senhor. Não sei o que seria de mim aquele dia sem a ajuda do senhor. Muito obrigado mesmo! E um feliz ano novo pro senhor e pra sua família! Que Deus ilumine o caminho do senhor e encha sua vida de bênçãos porque o senhor é uma pessoa boa e merece tudo de bom.

-Obrigado, mas não fiz nada de mais, nada além da minha obrigação. - respondo, enquanto viro e reviro meu baú cerebral à caça da história protagonizada por aquela senhora. Não encontro. São dezenas de casos e vítimas e testemunhas e acusados e envolvidos toda semana.

-Fez sim, o senhor me ajudou muito. Tudo de melhor pro senhor. Fique com Deus.

-O mesmo pra senhora. Vá com Ele.

Desisto de fuçar minha caixa de memórias, na esperança de que aquela em especial me venha espontaneamente mais tarde. Sinto uma coisa boa que me faz bem. Não é todo dia que alguém para o guarda na rua para agradecer pelo cumprimento do seu dever. Quero manter essa sensação por mais tempo mas ela logo se desvanece. A mensagem no grupo de WhatsApp da DP diz que o xadrez está cheio de presos, presos com raiva da sociedade, do sistema, do guarda zeloso.

O sistema é bruto, a vida é curta e gentileza gera gentileza.

Sigamos nossos caminhos e combatamos o bom combate quando preciso for.