sábado, 3 de dezembro de 2011

mundo perro - parte 4



a noite estava ainda mais fria. o asfalto úmido indicava chuva recente. se acreditasse que possuía alma, diria que ela estava tão fria como o clima noturno. minha cabeça acompanhava o fluxo de meus pensamentos que giravam alucinados por tempos, pensadores, bebedeiras e bucetas distantes ou nem tanto. como sempre acontecia quando bebia, tinha vontade de atirar, mas o homem-da-lei sofreava o desejo. súbito, surgiu um motorista apressado na via, bastante comum a essas horas avançadas, decerto movido e motivado pelo álcool e/ou outros entorpecentes lícitos e ilícitos. quando emparelhou comigo, reles transeunte ébrio, passou propositalmente sobre uma poça. tomei um banho de água suja e gélida. apesar da obscuridade, pude ver o sorriso do sem-mãe. FILHO DA PUTA DESGRAÇADO! saquei a arma, mirei a traseira do auto, um Jaguar XKR conversível e atirei. para o alto. por pouco a razão não perde a peleja para o coquetel de raiva e vodka. por um triz. imaginei as manchetes no dia seguinte, primeira página do meia hora e do dia: POLICIAL BÊBADO ATIRA E MATA MOTORISTA. O investigador da Polícia Civil Arquimedes Sampaio, após sair da boate Savana's, conhecido inferninho de Copacabana, ponto de encontro de prostitutas, travestis e criminosos, assassinou covardemente o estudante Felipe Stonnenberger de Alvarenga na madrugada de ontem... não. definitivamente não. não vou dar mole pra esses putos. que crucifiquem outros pra vender seus tablóides de merda. parte do porre havia passado. encharcado, tiritava. novamente pensei na minha condição miserável. sim, era isso que eu era, um miserável, um merda. a melancolia sobreveio com força total, a boca medonha cheia de dentes afiados e alaranjados devorando-me pela cabeça. senti seu hálito nauseabundo, sua saliva gosmenta melando meus cabelos e meu ânimo de viver. um tiro na cabeça, morte rápida e indolor. indolor? será? ninguém tinha voltado da sepultura para lhe contar se realmente aquele átimo derradeiro e crucial doía ou não. acho que deve ser uma dor lancinante, a maior dor que existe no universo. depois, acabou.

Um comentário:

Giovani Iemini disse...

devia ter anotado a placa e visitado o fdp no outro dia.
eu faria isso.