quinta-feira, 28 de abril de 2011

te julho





inóspito
te vi deserto
exilada
de si


cético
te vi axioma
salpicada
de sins


cáustico
te vi inverno
enevoada
de giz


lúbrico
te vi ninfa
lambuzada
de gim


esquálido
te vi árvore
desfolhada
de mim


se seca
se certa
se fria
se louca
se feia


se julho


te julho
te juro
te furo
te curo
te curro


te amo


Carlos Cruz - 26/04/11
*Gravura: Otra Mirada, de Modesto Trigo.

domingo, 24 de abril de 2011

As Bodas de Fígado




Casou-se moço, no auge de seu vigor produtivo: viçoso, trigueiro, reluzente, belo. Celebração natural de um amor brotado à primeira mirada, os folguedos vararam madrugadas e dias, de sol, fogo, chuva, mormaço. Malgrado protestos, sem cocas, crushs ou tubaínas afins, barraram-se os crentes à porta. Assevera a História Oral que o bagulho foi frenético, bombou. Pena o festivo começo não ter escapado à sanha tradicional dos matrimônios felizes. Amante fogosa, insaciável, ela reclamava elevadas e diuturnas performances e potências do fatigado cônjuge que, herculeamente, desdobrava tripas para satisfazer à amada. Debalde. Tamanha azáfama cotidiana fê-lo, paulatinamente, murcho, verde, opaco, feio de se ver. Apaixonado, chupado pelo amor que devora, consumiu-se até à morte; feliz. Doña Calibrina, a viúva, dizem, à boca pequena, logo anunciou núpcias novas, desta feita, múltiplas. Dada a profusão de pretendentes, decidiu-se por todos. Embevecidos, festejam os excessos da esposa volúvel. De quando em vez, tomba um. Outros poucos convertem-se à seita das vogais iguais. Porém, muitos outros vêm e juntam-se à bacanal. Sempre sorrindo, Doña Calibrina dança. E queima. E roda. Roda. Roda. Roda.


Carlos Cruz - 20/04/2011

* Pintura de Serhiy Reznichenko.