sexta-feira, 26 de abril de 2013

El Ingenioso Hidalgo Don José de la Portela



Num vilarejo perdido no cume das distantes montanhas do Reino Esquecido de Miguel Pereira, vivia um fidalgo que diuturnamente se dedicava à laboriosa tarefa de medicar notebooks enfermos e ressuscitar computadores mortos. Conquanto seu mister não o desgostasse, o jovem, dado a leituras de livros de cavalaria revolucionária e farto dos desmandos e tiranias de Sua Majestade, o Rei Rói, e dos seus sectários, que se autodenominavam Os Cavaleiros da Távola Quadrada e cujo lema não deixava dúvidas quanto ao modelo -dito democrático - governametal adotado: "farinha pouca, meu pirão primeiro.", decidiu agir. Imbuído do espírito guerreiro dos seus antepassados, limpou, com escova de aço e kaol, a ferrugem da velha armadura do seu finado avô, lançou mão da faca de churrasco à guisa de espada, a tampa da lixeira lhe serviu de escudo, da velha piaçava fez sua lança e assim, devidamente paramentado, montou seu Rocinante VW Fusca 1973 que reunía a força de 1300 cavalos em apenas um, e partiu para a guerra, em nome de sua musa, a combalida, rota mas inda bela Democracia del Toboso. Alguns diziam-no louco, outros faziam troça, chamavam-no O Cavaleiro da Triste Figura, ninguém acreditava nele. Mas Don José de la Portela era brasileiro, miguelense, portelense, intrépido, sagaz, indômito, amava sua cidade e sua família (o adesivo no vidro traseiro de Rocinante clamava em caixa alta esse apreço) e não desistia jamais. Poucas luas após o início de sua aventura, a Providência, que assiste os homens de coração bom e caráter retilíneo, ofereceu ao desacreditado cavaleiro a oportunidade de mostrar a todos - nobres e plebeus - seu enorme valor. Pairavam sobre a reluzente coroa de Sua Majestade graves suspeitas de mau uso do erário real na contratação de carroças destinadas a recolher o lixo feudal, falava-se em favorecimento ilegal ao suserano de um reino vizinho. O Povo clamava por esclarecimentos. Foi marcada, então, uma assembleia na qual decidir-se-ia quanto à instauração de procedimento investigatório em desfavor do monarca. O Povo acorreu em massa e lotou a audiência, gritando palavras de ordem. A vassalagem não destoou nem surpreendeu, vassalo é vassalo. A grande surpresa ficou a cargo de nosso intimorato fidalgo que, malgrado as severas ameaças - que incluiam degredo, bastilha e guilhotina - proferidas pela Ordem dos Cavaleiros Encarnados, à qual era filiado, votou, em meio a lágrimas profusas e reminiscências das façanhas do avô, o Duque del Futurista, e para desgosto do Monarca e seus asseclas, a favor do investigatório. A turba foi ao delírio. O outrora chacoteado Cavaleiro da Triste Figura foi carregado nos ombros pelos populares, heroi merecidamente aclamado cujo novo cognome condiz melhor ao seu brio, à sua coragem e caráter: O Cavaleiro da Esperança. O final da novela ainda está por contar, todavia, uma coisa é certa: não há mais bobo de bobeira no Reino de Miguel Pereira.
Carlos Cruz - 19/04/2013