quinta-feira, 10 de abril de 2008

O Processo ou A Multiplicação das Mães



Reinaldo não sabia lidar com perdas. Quase enlouqueceu de vez no dia em que sua mãe se foi. O apagão provocado pela manutenção deficiente nas linhas de distribuição de energia elétrica fez o aparelho que a mantinha viva parar de funcionar. Ao fim do processo, recebeu um milhão de reais de indenização. Pôs um anúncio nos classificados de um jornal de grande circulação: "Contrata-se mulher branca, baixa, gorda, com idade entre cinqüenta e cinco e sessenta anos, que use óculos e saiba preparar bolinhos de chuva, para exercer a função de mãe. Paga-se bem." A fila de idosas que se formou em frente à sua casa, no dia seguinte, de tão longa, dava duas voltas no quarteirão. Contratou logo cinco mães. Alguns meses depois, uma delas veio a falecer. Contratou outras cinco para ocuparem seu lugar. Após dois anos, já contava com dezessete mães, todas muito parecidas, carinhosas, sorridentes e bem remuneradas.
Os anos se passaram, anos de felicidade e muito amor maternal. Numa chuvosa manhã, lá pelas dez horas, uma das velhinhas achou estranho o fato de Reinaldo, que acordava cedo, ainda não ter saído do quarto. Interrompeu o preparo dos bolinhos de chuva e foi despertá-lo. Ele não acordou, malgrado os sacolejos frenéticos da anciã. Estava morto. Estampada no rosto, uma expressão de serena felicidade. Morrera sorrindo, feliz, rodeado por suas adoráveis mães. O funeral entrou para a história da pequena e bucólica cidade, dada a quantidade e homogeneidade das integrantes do séquito que acompanhava o caixão: exatas cento e oitenta e uma senhoras, todas idosas, brancas, de baixa estatura, gordas e usando óculos. Quando o esquife desceu, em vez de cal, lançaram bolinhos de chuva na cova, o cheiro agradável espalhando-se pelo cemitério. Parte dos cidadãos que acompanhavam a cerimônia fúnebre, ao final, seguiram para suas casas, beijaram e abraçaram suas genetrizes. Aqueles cujas mães haviam partido para o Além ou para outras partes do Globo, apenas choraram. Choveu durante todo aquele dia e nas duas semanas que se seguiram. Ninguém soube explicar mas, após o óbito de Reinaldo, o ar da cidade impregnou-se do odor inconfundível de bolinho de chuva, trazendo à memória dos visitantes que por ela passavam, vivências da infância, reminiscências do passado, imagens saborosamente nostálgicas de suas avós e de suas mães, preparando os tais bolinhos, em dias chuvosos.

Carlos Cruz - 11/07/2007