terça-feira, 26 de junho de 2007

O Balão





-Puta que pariu! Que sujeira! - exclamou a empregada, ao deparar-se com os pedaços de carne e todo aquele sangue ao longo das paredes, dos móveis e do teto. O computador estava ligado. Limpou o monitor. Aturdida, leu a seqüência interminável de elogios à poesia de seu patrão, conhecido na vizinhança e nos meios acadêmicos como "João, O Balão". Vira acontecer várias vezes, elogios o faziam, literalmente, inflar. Críticas negativas surtiam o efeito inverso. "Esses médicos filhos da puta não servem para nada. 'Sr. João, sua doença é nova. É o primeiro caso registrado nos anais da Medicina...' Vão todos tomar no cu, ou melhor, vão tomar nos anais deles" - ouvira-o esbravejar, certa vez. Olhou o monitor novamente. "É. Parece que esta agradou geral... Coitado do Seu João. O sucesso, que ele tanto queria, acabou fazendo-o estourar." - pensou, enquanto retirava um pedaço de intestino de sobre o teclado.

Carlos Cruz - 25/06/2007

segunda-feira, 18 de junho de 2007

Pequeno Colóquio Víscero-intestinal



- Que merda! - exclama o Ascaris lumbricoides.
- Só. - redargüe, com cara de nojo, a Taenia saginata.
Próximo a eles, uma Entamoeba histolytica agitava, desesperadamente, seus pseudópodes, tentando entrar na conversa.

Carlos Cruz – 18/06/2007

O Jugo & A Maldição ou Obesidade & Elefantíase





Não bastasse o fardo de seus cento e cinqüenta quilos, ainda tinha de arrastar, inutilmente, aquele bizarro saco gigante.

Carlos Cruz - 17/06/2007

quinta-feira, 14 de junho de 2007

Fogo-fátuo




O atrito contra o abrasivo da caixa incandesceu o fósforo. Por alguns segundos, ficou observando a chama consumir o palito. Gostava de admirar o fogo, que mal havia nisso? Desde os primórdios, o fogo representava um elemento essencial à sobrevivência humana, lera em algum lugar. Então, por que cargas d'água era tão discriminado? Resignado, suportara, durante anos, as repreensões, as surras, as punições, mas aquilo era demais. Quem esse filho da puta pensava que era para xingá-lo daquele jeito? Piromaníaco era o pai dele. Não sabia o significado da palavra mas, certamente, devia ser algo muito ruim. A chama do palito estava quase se apagando. Largou. O combustível fez o fogo alastrar-se rapidamente. Sentou-se e contemplou, como das outras vezes. O odor o transportou de volta à infância. Lembrou-se do churrasco preparado por seu pai aos domingos, música, festa, a família toda reunida. A raiva deu lugar a outro sentimento, felicidade, talvez.


A secretária chegou um pouco mais cedo ao trabalho. Passou em frente à entrada do restaurante que funcionava no térreo, no momento em que um garçom conhecido saía. Cumprimentaram-se. Subiu pelas escadas até o segundo andar. Ainda no corredor, sentiu o cheiro. "Huuum" - pensou - "hoje vai ter churrasco no almoço." Introduziu a chave na fechadura, abriu a porta, entrou no consultório...


O detetive de plantão, com ar de enfado, golpeava o teclado da velha máquina de escrever, enquanto ouvia o gaguejante zelador, o qual relatava como encontrara, sobre o divã, o cadáver causticado e ainda fumegante do psiquiatra. "Quanto à secretária" - dizia - "parecia um personagem de um filme de terror, com todos aqueles palitos espetados no rosto e aquela vela acesa enfiada no ânus. Que coisa sinistra." O policial interrompeu a digitação para indagar ao escrivão, que trabalhava na mesa ao lado, qual era o prato do dia na pensão em frente à DP. "Churrasco" - respondeu o escrivão.

Carlos Cruz - 14/06/2007

domingo, 10 de junho de 2007

Proteger & Servir ou O Massacre




Foram meses de laboriosas investigações. Centenas de cafés e cigarros, muitas noites mal-dormidas. Sem falar na cobrança implacável do Delegado que, por sua vez, sofria pressões dos políticos. "Puta que pariu! Até o governador tá me ligando!" - esbravejou Dr. Sampaio, após desferir um sonoro murro na mesa de seu gabinete. Mas todo aquele esforço valera à pena. Finalmente lograra êxito: ali estava o pedófilo, algemado, prosternado, aos prantos, implorando por sua vida - um verme fedorento, um merda. Deu-lhe um violento soco no nariz, que o fez perder os sentidos.
Arrastou-o até a pesada cama de ferro, onde algemou suas mãos e pernas, na posição do "Homem Vitruviano" de Da Vinci. Desenrolou a longa corda que trouxera consigo, amarrando o corpo do pedófilo em torno da cama. Tentou puxar a corda, que não se mexeu. É, estava bem preso. Iniciou o trabalho pela arma do crime: com um único golpe de sua afiadíssima faca militar, decepou o pênis do filho da puta. O urro do pedófilo poderia ser ouvido a muitos metros de distância, contudo, tal possibilidade era bastante remota, considerando o local ermo no qual se encontravam. Depois, cortou o saco escrotal, os dedos das mãos, as mãos, os braços. Precisou de muita força e da face serrilhada da faca, certas articulações não eram fáceis de cortar. O sangue jorrava, o pedófilo gritava. Por fim, o silêncio. Morto, estava morto. Prosseguiu sua tarefa, incansável, cortando, cortando, sem parar, sem pensar...
Terminara, enfim. Coberto de sangue, olhou o amontoado de carne, ossos e vísceras em que se transformara o pedófilo. Sabia que não receberia medalhas nem condecorações pelo que fizera. Não sentia-se bem nem mal, apenas um certo alívio e aquela agradável sensação do dever cumprido.
Tomou um banho frio, vestiu as roupas que trouxera em sua valise. Foi para casa. Seu filho Mateus, de cinco anos, veio recebê-lo com um sorriso e um papel nas mãos. Abraçou-o.- Papai, fiz um desenho pra você.
Era um policial perseguindo um bandido mascarado. Sobre a figura do policial, uma seta e a inscrição: "PAPAI". Abraçou Mateus com mais força. Beijou sua esposa, antes de responder que correra tudo bem no trabalho. Dormiu profundamente aquela noite.

Carlos Cruz - 05/06/2007

sábado, 9 de junho de 2007

Plantão Médico








Viu surgir a cabeça. Segurou com cuidado, puxou, bem devagar. Percebeu a dilatação, os ombros eram a parte mais difícil. Passaram. Depois os braços, o tórax, o abdômen, a região pélvica, os glúteos, as pernas...
Provavelmente, há alguns anos, acharia aquilo engraçado. Contudo, após trinta anos de carreira, o proctologista considerou o resultado do procedimento apenas inusitado. A boneca Barbie, toda lambuzada de excrementos, sorria na bandeja, enquanto o travesti, a julgar pelos gemidos, parecia haver tido um orgasmo.


Carlos Cruz - 08/06/2007

O Vermelho e o Negro








Acordou feliz naquele vinte e cinco de abril. Faziam exatos três anos que conhecera Cláudia, a mulher de sua vida. Amava-a, como nunca amara outra mulher. Comprou flores e um vestido vermelho - a cor preferida dela. Seguiu radiante para encontrá-la na casa, alugada há poucos meses, duas horas antes do combinado.
Estacou, estupefacto, ante a visão de sua amada - de espartilho, cintas-ligas e meias sete oitavos vermelhas - sendo selvagemente sodomizada pelo negro, sobre a cama na qual tiveram tantas noites de amor. Comeu as rosas vermelhas, uma a uma, vermelho de raiva.


Carlos Cruz - 06/06/2007

O Fenômeno


Iniciou a arrancada no meio do campo. Driblou o primeiro, o segundo, o terceiro, deu uma rápida olhadela em direção ao gol adversário, escolheu o canto, chutou e fez o gol. Os espectadores, às margens do campo, foram ao delírio.
A explosão da bomba de gás lacrimogênio, lançada pelos policiais do Batalhão de Choque, interrompeu a comemoração. Um a um, os presos foram se sentando, nus, no pátio do presídio, enquanto os bombeiros recolhiam o corpo no interior da cela 53, e aquela massa disforme, cabeluda, suja de terra e sangue, que estava no fundo da rede.

Carlos Cruz – 07/06/2007

segunda-feira, 4 de junho de 2007

A Intrincada Trinca ou Escatológica Loucura



Artur era obcecado pelo número três. Seus hábitos, seus gostos, suas compras, tudo em sua vida obedecia à regra do três. Ia três vezes seguidas ao cinema assistir o mesmo filme. Lia o mesmo livro três vezes. Comprava três peças de roupa exatamete iguais. Sapatos? Comprava três pares. Adaptou o velho adágio à sua loucura: um era pouco, dois era insuficiente, três era a perfeição.
A explicação para tal comportamento estava na infância de Artur, precisamente aos onze anos: sua mãe, católica fervorosa, ao flagrá-lo se masturbando, fê-lo passar horas ajoelhado sobre grãos de milho, rezando centenas de Padres-nossos e Ave-Marias, olhando fixamente para a imagem da Santíssima Trindade.
Ironicamente, Artur nascera no dia três de março de mil novescentos e setenta e três. Hoje era uma data especial: fazia trinta e três anos. Pedia uma comemoração especial. Convidou Osvaldo, seu amigo, para a festa em sua casa. Pediu à Vanessa, sua esposa, que usasse aquele vestido vermelho, tão apreciado por ambos. Após esvaziarem três garrafas de vinho, partiram para o ménage a trois, sob protestos de Vanessa, que estava menstruada. Alguns poucos beijos no pescoço foram suficientes para convencê-la. Foram três horas de sexo selvagem, regado à vinho, sangue e esperma. Apesar da dificuldade – não era mais um adolescente – Artur conseguiu ejacular três vezes. Foi quando viu a mancha de sangue e esperma sobre o lençol e não teve dúvidas: subiu na cama, agachou-se e defecou sobre a mancha. Osvaldo e Vanessa sairam do quarto, apavorados, vestiram-se e se retiraram da casa o mais rápido que puderam, o cheiro de merda era insuportável. Artur ficou lá, observando sua grotesca e fétida obra: sangue, esperma e merda. Daria um quadro, pensou. Poderia se chamar: “A Escatológica Tríade”. Tal pensamento causou-lhe uma nova ereção. Súbito, o ambiente à sua volta se modificou, tornando-se a sala de sua antiga casa. Tinha novamente onze anos. Diante de si, a Santíssima Trindade, com Deus à direita, fitando-o com seus olhos flamejantes, repreendendo-o por seus pecados. Caiu de joelhos, prostrado. Sentiu a dor lancinante, os grãos de milho perfurando sua pele. Começou a rezar...
Vanessa voltou no dia seguinte. Artur estava no mesmo lugar, ajoelhado diante do excremento, o olhar vazio, rezando, balbuciante: “Pai Nosso que estais no Céu...” Ante aquela surreal e deprimente cena, ela não conteve a tripla exclamação:
- Porra! Caralho! Buceta!

CARLOS CRUZ – 04/06/2007

Vôo Noturno






O comprimido o fez sentir-se leve. Olhou para o céu, escolheu uma estrela, ruflou suas asas e saltou...
Os bombeiros tiveram enorme dificuldade em recolher os pedaços do corpo. Alguém ouviu um deles murmurar: "Filho da puta. Por que não deu um tiro na cabeça?"

CARLOS CRUZ - 27/05/2007

DIA DOS PAIS






Olhou o bebê através do vidro - uma criança linda. Sua esposa dormia no quarto ao lado. Uma enfermeira deu-lhe parabéns. Fôra uma decisão difícil, tomada após o resultado do espermograma. Ligou para seu amigo Ricardo, o pai: "Traz o charuto. Acabou de nascer."

CARLOS CRUZ - 09/05/2007

domingo, 3 de junho de 2007

Náufragos



Navega nos mares da populosa cidade
A embarcação de quatro rodas, transporta as
Vítimas do sistema, desumano e cruel
Ilustres anônimos espremem-se, acotovelam-se
Os modernos escravos mal-remunerados.
Nau absurda, surrealista
Etnias variadas, mescladas, conformadas
Gente como a gente, descontentes
Remoendo sua sina proletária
Estagnados, maltratados, mal-alimentados
Incongruente cotidiano
Rodando, rodando, sem sair do lugar
Ou trabalha ou é lançado ao mar.

CARLOS CRUZ – 02/04/2007

Baú da Felicidade





A roleta rodou. Estanislau, jogador contumaz, torceu como nunca havia torcido antes. A sorte nunca lhe sorrira: foram anos de jogatinas infrutíferas e apostas frustradas. Mas aquele dia seria diferente, tinha que ser. A roleta foi diminuindo as rotações até parar. Fechou os olhos, cruzou os dedos, fez uma prece.
Levantou-se, trêmulo. Os ouvidos zumbiam. Seu algoz jazia no chão, inerte. Soltou uma gargalhada. Finalmente fora contemplado pela sorte: o tiro saíra pela culatra.

CARLOS CRUZ - 28/05/2007