domingo, 30 de dezembro de 2012

O Segredo de Lia




Lia
dizia
que não lia
porque não
gostava
de ler
mas
o que
ninguém
sabia
é que Lia
não lia
porque
não sabia
ler.

Carlos Cruz - 31/12/2012

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

iPhone 5


o besta
desembesta
ou quiçá, çá, çá
defenestra
na poeira das vaidades
bestas
e atuais, mais
que atuais

os ancestrais
cambalhoteiam
inutilmente
pra frente
pra trás
qual idiotas

os devotos
do black metal
dão saltos
camisas pretas
acham demais!

mas, ademais, existe a luz
no fim do túnel
da Tunísia
pour elise
eu faria tudo, tudo

coesão, coerência, clareza
o importante é ser feliz
na cama
o mais, é o amor
só o amor
que conhece o que é verdade

a verdade dói e mói e corrói e destrói
mas isso é bom e agradável
exceto ao platão

seja bem-vinda, ruidosa bofetada!
bate outra vez, coração!
a mão que balança o berço
envolve e cabe perfeita na masturbação

o ego rebelde não quer rebentar
diz que há os tais maiorais
déspotas e tarados
cheios de pênis eretos
no lugar dos pelos
glândulas invertidas

pelas barbas de netuno!
levantai, unamuno!
semeai a discórdia e a dúvida
entre os homens bicudos
jegues-justos-obtusos
cheios de hemorróidas
enfiados em ternos justos
absurdamente demodés

quem dera ser um peixe
para expor em riste a guelra média
ao anzol pontiagudo
imerso, babacamente
pelo babaca-mor

que o mundo acabe em buceta
de mulher tesa
para morrermos encharcados

felicidade é algo mais que uma maçã eletrônica.

Carlos Cruz - 20/12/2012

cordel zoo-caprino-teso sem telefonema no dia seguinte



o cabra da moléstia molestou a cabra insensível que, desapegadamente, cagou para ele. pérolas negras, precisamente, sem te amo, te amo.

Carlos Cruz - 20/12/2012

Astronomy Domine



e eis que a raça humana adentra o limiar de uma nova era. irmãos, não temam o porvir pois nada é tão ruim que não possa piorar, disse o pajé nimbu negro no dia em que tupã espirrou furioso os ventos que sopraram e derribaram nossas tabas, despertando os deuses que montados em nuvens escuras despejaram sua raiva em forma de grandes faíscas luminosas, quentes e mortíferas. a selva, a terra, os filhos da terra, tudo virou cinzas. mas a deusa da fertilidade e da beleza chorou lágrimas de dor e sangue à vista dos cadáveres fumegantes da mãe natureza. a fumaça fedorenta da destruição fez o fluxo aumentar, as lágrimas irrigaram a terra árida que virou barro e lama. a vida brotou novamente, primeiro o verde, depois outras cores e nuances e por fim, os fungares espreguiçantes. o ciclo se repete, sempre. vida produz morte que produz vida que produz morte. transponde o portal, irmãos, sem temor, sem rancor, sem pudor. a grande orgia milenar vai começar!

Carlos Cruz - 20/12/2012

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Os Normais




o bando aproximou-se cautelosamente do sem-noção que incutia medo por ser imprevisível. com o tempo, a convivência despiu a aura aparentemente nociva do sem-noção, o bando viu que ele era bom. nem era assim tão imprevisível, tava mais pra porra-louca. passaram, inclusive, a compartilhar algumas sem-noçãozices ou porra-louquices, definitivamente, o sem-noção era sangue-bom. mas, daí, chegou o coberto-de-razão e fodeu a porra toda. despejou uma carreta de argumentos absolutamente inatacáveis e ainda irrefutáveis que pareavam o sem-noção ao demônio mais vil e ignóbil lá dos quintos dos infernos. nada restou ao bando senão desprezar o sem-noção. nada restou ao sem-noção senão aceitar sua fatídica condição. o podre voltou à podridão. o tempo passou e o bando voltou a sorrir pois todos, indistintamente, tornaram-se cobertos-de-razão. quando em quando, brigavam, mas a razão falava mais alto. sempre.

Carlos Cruz - 16/11/2012

domingo, 16 de dezembro de 2012



fé.

substantivo feminino
1 Rubrica: religião.
no catolicismo, a primeira das três virtudes teologais
2 sistema de crenças religiosas; religião
Ex.: fé cristã
3 confiança absoluta (em alguém ou em algo); crédito
Ex.: um homem digno de fé*
4 Rubrica: escatologia, calendário Maia, fim do mundo.
nome de um raio poderoso semelhante ao raio laser dos filmes de ficção científica, que sai do olho dos crédulos e destrói meteoros gigantescos em rota de colisão com a Terra.
Ex.: Tentaram, a todo custo, controlar o pavor que paralisava seus corpos e suas vontades; desejaram com força a destruição do meteoro; alguns defecaram nas vestimentas mas outros lograram produzir o raio. O meteoro explodiu em trilhões de diminutas estrelas que iluminaram o firmamento. Era o início de uma Nova Era para a Humanidade.

* extraído do dicionário Houaiss

Carlos Cruz - 16/12/2012

adágio torto


pau que nasce torto nunca se acanha ante um reto.

Carlos Cruz - 16/12/2012

sábado, 15 de dezembro de 2012

é big! é big! é hora! é hora!



nos distantes idos dos outroras juvenis, escritores melancólicos enxotavam seus corvos com asas de graúna e apetite for destruction para dentro do meu cérebro pulsantemente confuso, convencendo-o - e ao resto de mim - que a vida era um enorme monturo de merda de vários gatos preguiçosos embrulhado em um véu colorido com aroma de jasmim. intermitentemente e sem dó bicavam minha cachola, até acenderem os candelabros da razão-que-não-se-cala: os bons da literatura, do cinema, da música, de toda arte que vale à pena, morrem jovens. não demorou e a certeza veio, indefectível, incandescente, luminosa e sorridente: não quero passar dos 40. com toda a solenidade que o momento exigia - tinha 17 anos, porra! - comuniquei meu desejo à mamãe, que ficou me olhando com aquela expressão de "coitado do meu filho... maluquinho, maluquinho... também, passa o dia inteiro lendo..." bom, o tempo passa, o tempo voa e a poupança bamerindus? a meia-idade chega e muda a porra toda. morrer antes dos 40 o escambau! eu quero é rosetar, beber, fumar, comer, cagar! quero descobrir a pedra filosofal, se existiu mesmo esse tal de cabral, se quem vence a batalha, no final, é o bem ou o mal, se entre a branca de neve e os sete anões rolou um furimfumflau. trinta minutos me separam da virada fatal. rezem, orem, persignem-se, prostrem-se, façam preces por mim. se chegar aos 41, a cerveja e o amendoim japonês são por minha conta.

Carlos Cruz - 14/12/2012

sábado, 1 de dezembro de 2012

Pedido de Demissão



"cansei dos olhares, dos sorrisos maldosos, dos balbucios vis. cansei dos holofotes ofuscantes, dos aplausos falsos. cansei de ser diferente. quero ser apenas mais um lugar-comum na multidão dos iguais. um puído clichê. quero vestido curto preto básico, sombra e rímel, sandálias de salto alto trançadas nos tornozelos. quero beber a vodka com energético que todos bebem, engolir o comprimido estimulante que todos engolem, dançar o bate-estaca que todos dançam, sortear meu sexo para quem o quiser. quero minha vontade fluida, volúvel, meu desejo banal, fútil, meus anseios palpáveis, inúteis. quero virar coisa, mais um objeto humano para ser consumido até a vida útil acabar, queimar como fogo de artifício, fugaz e multicor, em meio a centenas de outros, explodir, anônima e feliz pela escuridão que se avizinha. quero o glamour do não-existir, a paz do não-ser. o silêncio e o breu, é só o que quero. estou farta. desisto. peço demissão."

sofia, ex-mulher barbada

Carlos Cruz - 01/12/2012

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Absinto





queria tomar o tal absinto pra ver qual é que é a do tal absinto. mas não se toma uma bebida desse jaez, com toda sua densa aura verde, de uma maneira qualquer, nem se toma tampouco um absinto qualquer. não. depois de esbarrar com a fada nos livros e filmes da vida, não poderia interagir com uma ninfa alada made in brazil, mesmo porque - para enorme frustração da xuxa - não há fadas verdes no brasil; só a cuca, mas a jacaroa de franjinha tem mais a ver com poções à base de perna de sapo, cuspe de mosca e asa de morcego. ademais, o absinto tupiniquim tem só (só???) 54 % de álcool. assim não pode, assim não dá. como diz, acertadamente, Suzana Muniz (olha, rimou!), beber absinto demanda todo um intrincado -  e devotado - ritual, algo semelhante a uma sessão mediúnica, com direito a mesa ouija, incenso, livros recendendo a mofo, declamação dO Corvo do Poe, enfim, todo um aparato místico-romântico-gótico-literário para não ferir o brio nem ofuscar o brilho negro dos espíritos afins, a fim de bebericar conosco. bem, consciente de que nas prateleiras de nosso "shopping bramil" não se encontra a beberagem (só uma espécie de ice absinto, fraco e adocicado), iniciei a busca em nossa adorada internet. descobri que os melhores absintos são produzidos na tchecoslováquia, digo, na república tcheca, uma das marcas tem um nome bem sugestivo: King Of Spirits, e exibe o circunspecto rosto de Van Gogh no rótulo. o outro é um tal de Hill's. porém, lamentavelmente (ou não), essas marcas não se acham em terra brasilis, só importando, porém o imposto de importação e especialmente minha mensal remuneração me proíbem essas extravagâncias. contudo, sou brasileiro, quase alcoólatra, e não desisto jamais. achei uma artemisia absinthium engarrafada que atendia satisfatoriamente aos meus anseios: Absinto Hapsburg Premium Rerserve, 750 ml, graduação alcoólica: 89,99%, made in U.K. Não me contive e acabei mandando um "Deus salve a rainha!", em detrimento de minhas convicções anti-monarquistas. Conheceria, enfim, a sininho do peter pan. Todavia, uma vez mais, a euforia alcoólico-literária se escafedeu, meu sorriso cedeu lugar à cara de bebê cagado. o preço. engoli a saliva e li: R$126,00. nesse momento, sempre me vêm à mente os orçamentos no excel, a caixa do correio repleta de contas, os telefonemas de cobrança, a cara implacável de falso compadecimento do gerente do banco. não. não dá. Degas, Van Gogh, Picasso e Hemingway terão de esperar. Se a vontade apertar, tem álcool pring lá no armário da área de serviço. a gente mistura umas ervas, sei lá, carqueja, tomilho, alfavaca, manjerona, açafrão, hortelã amassadas no pilão, taca limão e vê no que dá. não vemos a fada verde mas ao menos matamos algumas lombrigas.

Carlos Cruz - 08/11/2012

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

A Nova Classe



em tempos de aquecimento econômico, nada melhor que algumas caixas de budweiser, heineken ou stella artois para refrescar o esôfago, tentar aplacar a sede de consumir o mundo. agora, agente podemos. a classe outrora sub-sub-sub agora tem um sub a menos e ruma, garbosa, perfumada e cheia de marra, ao lugar nenhum, mas não um lugar nenhum qualquer: lá é chique e tem muitos brinquedos eletrônicos. pode-se tirar uma miríade de fotos com o novo ai pede e - alegria! - publicar no instagram. um viva para fhc! um hip-hip-hurra para lulalá!! uma salva de palmas e duas de tiros de canhão para dilma-furacão-do-cabelo-armadão!!! o brasil deixou de ser o país do futuro, o brasil é o futuro. e o futuro somos nós, a nova classe emergente mais ou menos. temos fome de isca de filé, temos sede de cerveja cara, temos múltiplos desejos a comprar e dividir no cartão. te cuida, vip besta empolado do high society, porque estamos chegando!

Carlos Cruz - 31/10/2012

Raquel



raquel não é rapunzel
raquel não é gargamel
raquel vai para o céu?

raquel foi na china comer pastel
diz: melhor que ir para o beleléu
raquel vai para o céu?

raquel chorou o adefuntamento da silvia kristel
raquel galopa nua e dança o créu no lombo do corcel
raquel vai para o ceú?

raquel acha graça do sargento pincel
raquel acredita no papai noel
raquel vai para o céu?

raquel bebe litros de vinho moscatel
raquel beija o feio e o chama de pitéu
raquel vai para o céu?

raquel não é iracema
raquel não é a virgem dos lábios de mel
raquel vai para o céu?

raquel fugiu com o menestrel
raquel curte um sarapatel
raquel vai para o céu?

na ventania, raquel não cata papel
raquel tem qualidades pra dedéu
raquel vai para o céu.
Carlos Cruz - 24/10/2012

quarta-feira, 6 de junho de 2012

O Pulha Previdente



Olhar vazio como a vida, divisou embaçado o volver trágico e lânguido da pistola, da bolsa à boca. Indiferente como todo citadino que não se preza, não moveu palha. Apenas e tão-só um leve tremor natural ante o estrépito causado pelo disparo. Tão natural quanto a queda e o decúbito dorsal da infeliz. Por alguns segundos parcos, aquela barriga proeminente sob o vestido estampado com flores amarelas, aqueles olhos celestes-suplicantes alvoroçaram com flashes pardacentos e tortos seus pensamentos. Um balouçar de tronco mais um alçar de mãos afastaram o demônio da confusão, destrutivo que ele só. Vade retro, Satanás! Afastou-se, rumo ao seu habitat, agradável e sujo, frio e familiar, para encontrar os irmãos de caras pétreas, miseráveis e iguais. Um desgraçado filho da puta a menos no mundo - refletiu - e viu que era bom.


Carlos Cruz - 06/06/2012

terça-feira, 1 de maio de 2012

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Sílvia, a Cachorra




Sílvia fazia enorme sucesso entre os homens. Era o que se costuma chamar de uma mulher exuberante. Aos vinte anos, possuia um corpo de dar inveja a muita modelo. Não, não era magra. Pelo contrário. Tinha muitas curvas, 70 Kg muitíssimo bem distribuídos em seus 1,70 m de altura. Seios nem fartos nem pequenos, na medida. Um rosto difícil de definir: traços angelicais, lábios grossos, olhos verdes meio diabólicos, lindos e cacheados cabelos loiros. Agora, aqui no país do carnaval e da "loira do tchan", sem sombra de dúvida, o que chamava mais a atenção era sua bunda. Que bunda! Abundante bunda! Não havia cabeça masculina que não se virasse quando Sílvia passava, com seu rebolado de mulata do Sargentelli. Na praia, diante daquela bunda perfeita, nada encoberta por um sumaríssimo biquíni, o que se via era um festival de enrubescidos "homens-beringela". A verdade é que Sílvia adorava se exibir. E gostava muito, mas muito mesmo de sexo. Sexo, sexo, sexo. Depravada, libertina, concupiscente, promíscua, eram muitos os adjetivos de Sílvia. Um psicanalista, com quem tivera apenas três sessões de análise e uma de sexo selvagem, a diagnosticara como ninfomaníaca. Adepta do sexo grupal, do tal "gang bang", Sílvia não se satisfazia apenas com um pênis, tinham que ser vários ao mesmo tempo. Quanto mais, melhor. Apesar de gozar de uma situação financeira estável, Sílvia tinha o hábito de embarcar em ônibus lotados, só para ser alvo da "sarração" masculina, preferencialmente trajando minúsculos vestidos ou saias. Ah, a indumentária de Sílvia era um caso à parte: tops, blusas, saias, vestidos, shorts, calças, todo seu guarda-roupa era pelo menos dois números abaixo do ideal. E, de preferência, vermelho. Sílvia era uma devoradora de homens. Uma puta. Gostava de ser puta. No auge de sua exuberância e boa forma, ela não imaginava o que o destino lhe reservara...

Tudo começou na infância. Sílvia era uma menina, digamos, sexualmente precoce. Desde muito pequena, sentia uma espécie de calor entre as pernas, um "fogo no rabo", fazendo com que, volta e meia, suas mãos se dirigissem, instintivamente, à fonte daquele agradável ardor. Descobriu que uma leve pressão sobre o clitóris, seguida de movimentos sucessivos para cima e para baixo, causava uma sensação de intenso prazer. Isso com apenas sete anos.

Aos oito, passou a lançar mão de pequenos objetos, os quais introduzia no ânus: canetas, lápis, cabos de escovas de cabelos, utensílios domésticos, tudo o que tivesse formato cilíndrico era útil em suas experiências. Não demorou para enfiar os tais objetos cilíndricos em sua vagina. Em um dia de especial tesão, acabou por perder sua virgindade para um frasco de desodorante Axe.

Sílvia não gostava de brincar com meninas. Os meninos eram mais divertidos. Certa vez, seu primo Lucas, que passava férias na casa de Sílvia, convidou-a para brincarem de papai e mamãe. "Papai e mamãe? Como é isso?" - indagou ela. "Eu te ensino." - Lucas respondeu. Despiu-se completamente, depois retirou as roupas dela, pedindo-lhe que deitasse sobre a pequena cama, cujo lençol tinha o desenho da boneca Barbie. Deitou-se por cima dela e passou a movimentar os quadris, simulando o ato sexual. Sílvia sentiu sua vagina umedecer-se. Foi tomada novamente daquele agradável calor, só que dessa vez, era mais intenso. Percebeu algo duro forçando sua barriga: era o pênis de Lucas, que após alguns poucos minutos ejaculou sobre o corpo de Sílvia. Ela recolheu uma pequena porção do sêmen e provou. Gostou do sabor.

A molecada da rua onde morava Sílvia logo soube de seus atributos e de seu apetite. Mal colocava os pés na calçada, era rodeada por um batalhão de meninos, que a convidavam para ir com eles à "gruta". A "gruta" era uma caverna de pequenas dimensões, localizada no sopé de um morro, ao lado de um riacho, onde os casais de namorados fugiam aos olhares indiscretos e aos comentários maldosos das matronas fofoqueiras da cidade e as crianças iam nadar e brincar, longe do controle dos pais. As más línguas diziam que a "gruta" era o portal do inferno, ou o "inferninho".

O fato é que nossa menina, agora já com dez anos, tinha "quilômetros de pista" e uma fama que sobrepujava a de muitas meretrizes célebres. Os garotos faziam fila para saborear suas qualidades.

A mãe de Sílvia, Dona Maria das Dores, criara com muito sacrifício sua única filha. O pai desaparecera tão logo soube da gravidez. Ao ser questionada por Sílvia, Dona Maria dizia que ela não tinha pai. Como percebera que esta pergunta causava intenso sofrimento em sua adorada mãe, Sílvia parou de perguntar. Dona Maria das Dores, católica fervorosa, dando-se conta do que acontecia com sua amorosa pupila, tratou de mostrar-lhe o caminho da salvação. Passou a levá-la à pequena igreja do bairro, onde Sílvia, contrariada, ouvia longos sermões sobre fé, amor ao próximo, pecado, Céu e Inferno. Após umas três semanas de idas quase diárias à igreja, em um belo dia, no qual sua doce mãezinha acordara com uma terrível enxaqueca, Sílvia pediu sua permissão para ir à igreja confessar-se. "Aleluia. Acho que estou conseguindo endireitar essa menina" - pensou, aliviada, Dona Maria. "Claro, Sílvia, vá com Deus. E peça ao Padre Antônio que reze por mim." E lá foi a menina cumprir sua liturgia. Foi flagrada pelo clérigo dando para o coroinha, em uma sala atrás do púlpito. "Saiam daqui, seus degenerados! Esta é a Casa de Deus!" - esbravejou o pároco. Ao saber do episódio, a mãe de Sílvia, entre suspiros, sentenciou: "Pau que nasce torto, morre torto." Entregou sua filha nas mãos do Todo-Poderoso.

Sílvia cresceu. Agora estava com dezesseis. Adolescente com corpo de mulher. Dizem que o uso faz saltar as formas. Na escola (assim como no sexo, era aplicada nos estudos), nos intervalos entre uma aula e outra, ia para o banheiro masculino transar com os colegas. Já naquela época, apreciava vários paus ao mesmo tempo, preenchendo cada orifício (os possíveis de preencher, é claro). De três em três, os estudantes aprendiam a mais nobre das artes: a arte do sexo. Ela pedia que gozassem em sua boca. Desde aquela primeira experiência com seu primo Lucas, nunca deixara de apreciar o sabor do esperma. Engolia com gosto, lambia os lábios.

Aos dezoito, agora mulher feita, não tardou para acontecer o inevitável: Sílvia conheceu Paulo, um cafajeste, um rufião explorador de mulheres. Sujeito boa-pinta, rosto com traços um tanto rudes, olhos verdes penetrantes, longos cabelos pretos cuidadosamente penteados para trás, roupas de grife pretas combinando com os reluzentes sapatos, também pretos. Tão logo fitou Sílvia, vislumbrou nela um enorme potencial a ser explorado. Convidou-a para jantarem, levou-a ao melhor restaurante da cidade, depois ao melhor motel. Enviou flores no dia seguinte. Telefonou para dizer o quão inesquecível fôra a noite anterior. Conforme o esperado, Sílvia se apaixonou por aquele homem tão galante.

Uma semana após o memorável jantar, Paulo levou Sílvia até uma suntuosa mansão, localizada na área nobre da cidade. "De quem é esta casa?" - perguntou ela. "De um amigo." - retorquiu Paulo. Entraram, ele abriu uma garrafa de champanhe e logo estavam na cama. Paulo chupava Sílvia como se sua vulva fosse um maná no deserto e ele um legionário sedento. Súbito, eis que ela percebe um homem nu, ao lado deles, com o pênis ereto, observando. Assustada, dá um grito. Paulo a acalma, dizendo: "Este é meu amigo Pedro, o dono da casa. Chupa o pau dele." Ainda sob o efeito do susto, mas muito excitada, Sílvia obedeceu: Chupou o pênis daquele homem estranho como só ela sabia fazer. Depois fizeram muitas outras sacanagens durante o resto da noite, culminando com uma dupla penetração e com os homens ejaculando na boca carnuda de Sílvia, que engoliu tudo. Deitada na cama, viu quando o estranho, após vestir suas roupas, entregou algumas notas de cinqüenta reais para Paulo. Ela nunca havia cobrado por seus "serviços". Considerava o sexo uma troca, onde todos sentiam prazer. Mas amava Paulo. Por que não ajudá-lo, já que pelo visto, estava precisando?

Na noite seguinte, Paulo disse a Sílvia que tinham seis homens para visitar. Ela nada falou. Foi com ele, deu para os homens e ele, ao final, entregou-lhe quinhentos reais. Aceitou. Afinal, também estava necessitada de algum dinheiro. Embora não fosse de comprar roupas e objetos caros, era vaidosa, e manter a vaidade custa dinheiro.

Os meses que se seguiram foram os mais felizes na vida de Sílvia. Fazia muito sexo, com muitos homens diferentes e, após cumprir sua jornada de prazer (não considerava aquilo trabalho), fazia amor selvagemente com Paulo, o amor de sua vida. Se sexo era bom, sexo e amor era melhor, com certeza...

Não havia uma única nuvem no céu naquele 21 de dezembro. Dia perfeito para um bronzeado. Sílvia exibia sua formas perfeitas na praia, causando, como sempre, renhidas discussões entre os casais que também aproveitavam aquele belo dia de verão. Havia combinado encontrar-se com Paulo às 20:00 h. Ele dissera que aquela noite seria especial. Confiava nele. Afinal, não se submetiam às regras impostas pela sociedade moralista e hipócrita. Faziam o que bem quisessem, com quem bem entendessem. Ciúme era um sentimento inexistente entre eles. Amavam-se. Faziam muito sexo. Eram felizes.

Paulo chegou pontualmente às 20:00 h. Sílvia entrou no carro e ele arrancou, após trocarem um ardente beijo e ele passar a mão entre as pernas dela, verificando que estava sem calcinha. Não usava calcinha. Gostava de causar "frisson" nos clientes dos restaurantes que freqüentavam, com cinematográficas "cruzadas de perna", deixando à mostra, por instantes, sua boceta depilada.

Seguiram pela rodovia principal, até que Paulo realizou uma manobra, acessando uma via secundária, não pavimentada. "Para onde vamos?" - quis saber ela. "É surpresa." - Paulo retrucou. Após trafegarem por uns trinta minutos, o automóvel parou diante de um enorme portão de madeira, ladeado por muros de cimento muito altos. Paulo lançou mão de um controle remoto e acionou um botão. O portão se abriu e entraram na propriedade. Apesar da fraca luminosidade irradiada pelos postes de madeira ao longo do caminho, ela percebeu que tratava-se de uma fazenda. Viu estábulos, plantações, viveiros, a enorme casa antiga, essa sim toda iluminada por holofotes dispostos em frente, no jardim. Paulo não seguiu em direção à casa, tomou uma trilha lateral, embrenhando-se numa floresta. Mais alguns minutos, chegaram a um descampado. Paulo parou e desligou o carro. Sílvia, boquiaberta, viu cerca de trinta pessoas, todas trajando túnicas e máscaras pretas e segurando tochas. No centro do descampado, uma gigantesca fogueira, em torno da qual as pessoas andavam, balançando o corpo para um lado e para o outro, cantarolando uma música em um idioma desconhecido para Sílvia. Em um dos lados da crepitante fogueira, à esquerda, havia uma espécie de cadafalso, com um tronco ao centro, rodeado por gravetos e pedaços de madeira. Lembrava um filme que Sílvia assistira há tempos: O Nome da Rosa, se não estava enganada. À direita da fogueira, Sílvia divisou algo semelhante a um altar: um bloco de cimento, com aproximadamente dois metros de comprimento, um metro de largura e um metro de altura, todo adornado com flores e velas. Detalhes que chamavam a atenção eram quatro argolas de ferro existentes em seus quatro vértices e um ressalto curvilíneo na face superior. "Que porra é essa?" - questinou ela. "Calma. Confie em mim" - replicou Paulo. Segurou uma das mãos de Sílvia e a conduziu até o bloco ou altar, despiu-a, deitando-a de bruços sobre a superfície lisa, de forma que sua pélvis acomodou-se na saliência existente no bloco. Amarrou suas mãos e pernas nas argolas de ferro. As pessoas que havia visto quando de sua chegada, passaram a caminhar em torno dela, ainda cantarolando a mesma música murmurante e indecifrável. De repente, todos retiraram as túnicas e Sílvia percebeu que eram homens: Seus pênis eretos reluziam à luz do luar e das chamas da fogueira. Um a um, subiam no bloco e faziam sexo com Sílvia, alguns metiam em sua vagina, outros em seu ânus. Sílvia, a despeito de estar achando aquilo tudo muito insólito, gozou como nunca, como uma égua no cio. Passaram-se muitas horas, horas de muito sexo. Sílvia estava exausta, exausta e melada, completamente coberta de esperma. Em dado instante, quatro homens a libertaram e a levaram até o cadafalso, onde suas mãos foram novamente amarradas. Os homens, sempre com aquele andar balouçante, e portando as tochas, passaram a cantar uma música diferente, em um tom um pouco mais alto. Sílvia foi tomada pelo medo. Parecia que, após ser fodida, seria sacrificada por aqueles homens. Paulo estava a uns vinte metros de distância, ao lado do bloco de cimento, sobre o qual havia uma maleta aberta. Sílvia viu algo nas mãos dele que parecia um maço de dinheiro. Ele contava as notas, com uma expressão de satisfação estampada no rosto. "Calhorda! Filho da puta! Como pôde fazer isso? Eu o amava." - pensou. Tentou gritar, não tinha forças para isso. O volume da cantoria aumetava e com ele o ritmo da dança. Em dado momento, quando o som das vozes masculinas era quase ensurdecedor, todos lançaram, ao mesmo tempo, as tochas sobre os gravetos. Rapidamente, as chamas elevaram-se. Sílvia soltou um grito desesperado de dor. Antes de perder os sentidos, ainda pôde divisar, por entre as chamas, pela última vez, o rosto de Paulo, seu grande e único amor. Ele sorria... Àqueles que pensaram que nossa estória terminou, digo: Não. Não é uma tragédia. Nossa heroína merece um final melhor. Mal transpôs o limiar do Inferno, Sílvia causou enorme rebuliço. Demônios, condenados, todos vieram a seu encontro para usufruir de seus favores sexuais. Satã, também conhecido como "El Diablo", tratou logo de pôr ordem na casa: casou-se com Sílvia, que tornou-se a Rainha do Hades, passando a promover, por toda a eternidade, bacanais de deixar Calígula (que perdeu seu amante diabinho para Silvia) roxo de inveja.


CARLOS CRUZ - 24/04/2007

mamãezinha



à custa de esperneios ferozes, manhosas estridências e lágrimas à farta, em acre cascata, ganhei mamãezinha ou "calaboca, diabo!". irmã das outras bonecas das amigas-irmãs malvadas e ricas. ninava mamãezinha que ninava bebezinho, ninado por mim de tabela. se bem me recordo, fiquei feliz; sorri até. grata, beijei mamãe. rezei pra papai-do-céu, de joelhos no taco. impúbere, ignorava a malvadeza chamada alma. tonhão, o caseiro, mostrou-ma; disse se chamar murcia. mas isso foi antes da cirurgia. depois, enchi o novo saco enrugado: em mamãezinha tasquei um saco, duas bolinhas-de-gude vermelhas dentro de um saco de cebola, vermelho também. um salame pra arrematar. queria um parecido, mas o médico desaconselhou-me sob argumentos anti-estéticos. o salame secou e exalou mau cheiro. enchi o saco - agora não tão novo - de novo e joguei mamãezinha no saco do lixo. não gosto mais de bonecas. elas não sabem brincar.

Carlos Cruz - 10/05/2011