sexta-feira, 1 de agosto de 2008

O Patinho Feio



Resignado, tolerou, durante anos, as chacotas dos irmãos, a rejeição dos pais, os olhares de viés, comentários abafados com a mão na boca e risinhos de escárnio dos vizinhos. Preterido do pueril convívio social, escorraçado pelos de sua idade, descobrira, desde muito cedo, o fascinante mundo dos livros e da música erudita. Devorava livros e músicas, seu apetite cultural era diretamente proporcional à sua infelicidade.
Certo dia, caiu-lhe nas mãos um sebento volume de um tal Hans Christian Andersen. Não gostava de contos infantis, mas mesmo assim leu. Leu e sorriu. Pela primeira vez em sua vida, gargalhou alto, leve e solto. Lá estava sua história e seu futuro, traçados pela pena mágica do mágico escritor. Isso explicava sua predileção pelO Lago dos Cisnes, de Tchaikovsky. Eufórico, saiu para passear e admirar a natureza. Tudo parecia haver adquirido uma coloração especial, matizes especiais, sons especiais. O mundo estava mais bonito. Cumprimentou todos por quem passou. Atônitos, fitavam-no e comentavam, entredentes: "Terá bebido? Estará louco? Cheirou loló?". "La vita è bella." - pensava Agnelo, imerso até os pêlos em seu êxtase particular.
Entretanto, como outrora dissera um gaiato qualquer, "tudo que é bom dura pouco." Treze minutos e vinte e três segundos. Essa a exata duração do interregno feliz de Agnelo. Vinha chegando a segunda descoberta do dia. Era branca, com pêlos só no alto do cocuruto, bípede, de bermuda azul, tênis Ortopé, camisa de malha branca com estampa do Pica-pau, maior que Agnelo porém menor que o outro da mesma espécie de quem segurava uma das mãos e para quem gritou:
- Olha, pai! Um ornitorrinco!
- Jesus! Que bicho feio! Não chegue perto, filho. Ele pode morder!

Carlos Cruz - 01/08/2008