terça-feira, 17 de março de 2009

Reclamação





"Ajude-me, Pai!" - clamou ao firmamento, face contrita, fronte rugosa, o decrépito pedófilo, ao ouvir a sentença gutural e irrecorrivelmente capital do ancião de maneiras afetadas, refinada e negra estampa, cabalmente acompanhada pelos implacáveis golpes do bem-talhado macete.
Renovou a súplica, com lacrimosa veemência, do alto do patíbulo, alheio às gargalhadas zombeteiras da multidão ensandecida, azafamada e aflita pelo desfecho mórbido do espetáculo burlesco. Nem a constrição nem o desconfortável prurido produzido pela corda cercearam o movimento de seus olhos rumo aos altos céus.
Os pais reafirmaram aos filhos a plena realização da Justiça Divina. Citadino não houve, dentre os que presenciaram a macabra atração, que considerasse a concomitância entre a reiterada deprecação do condenado, a alada e longínqua defecação do abutre, a milimétrica e fétida precisão da carga excretória e a fatal abertura do alçapão, apenas uma coincidência. Ao cair da noite, recolheram-se todos. Rezaram. Adormeceram. Sonharam lindos sonhos brilhantes.
O velho, sob o cadafalso, permaneceu alguns dias. Suspenso, balouçante, andrajoso, putridamente nauseabundo. Depois, vieram os abutres.

Carlos Cruz - 17/03/2009

sexta-feira, 13 de março de 2009

Ininteligibilissimamente





Otorrinolaringologista
Úteros, gargântulas, tarântulas vivas
Lutas acirradas, palavras-objetos
Tudo junto num átomo gigantesco
Íncubus, angelicais, súcubus
Minimalista-macrobiótico-estereofônico
Onde estarão os santos hominídeos?
Auscultam a tristeza que grassa a populaça
Batidas tênues de corações volúveis
Egos esfacelados em vidas medíocres
Nulidade, niilismo das massas insossas
Catedráticos do Nada-absoluto
Encantamentos sortilegíricos
Rastejantes rastas rasteiros
Ramificados em pontiagudos e pífios e putrefactos
Acéfalos Búfalos Bills
Gerânios ressequidos de vazios e tépidos sóis
Ergam-se! Libemos o antídoto da Sabedoria!

Carlos Cruz - 21/01/2007

terça-feira, 3 de março de 2009

Cinzeiros (da série "Úteis & Fúteis")




Execro pensamentos bestas deflagrados por comentários idiotas de pessoas e objetos imbecis que nada sabem acerca de mobilidade e calor. Minha vida inexistente permeada sempre foi e será de movimento, emoção, energia, sentimento e aventura. Pra lá e pra cá, no vai-e-vem, acompanho, sempre calado, o ritmo, por vezes frenético, por vezes "piano" dos fumacentos humanos a soprar os fumos dos fumos coados e escoados por seus pulmões azeviches. Curto os calores, dos homens, dos fumos. Tem os cubanos, fedor assaz, calor demais, fumante loquaz. Tem os mentolados, aspirados por viados de olhos amendoados e mancebos amancebados com encéfalos desvairados. Tem os baratos sem filtro, subproduto destinado ao mercado interno cognonimamente chamado populacho. Tem variegados mais além. Malgrado malgrados, com grado ou sem, vêm todos a mim, aquecer-me, inocular-me vida das e de cinzas. Tão-só peço que me não peçam que aprecie ébrios. Atabalhoados, dificulta-lhes sobremaneira manter-me preso entre os dedos. Invariavelmente, deslizo por suas frias mãos úmidas. Destroço-me com estardalhaço. Grito, mudo, ao surdo mundo imundo rotundo. Desprovido de som e de forma, encerro meus dias de glória no fétido lixão. Sina ingloriosa. Vilipêndio de cadáver. Absoluto desrespeito. Sacrilegio o destino de meus algozes: apinhados de tubos, sarapintados de manchas, amarelecidos, macilentos, estúpidos, fumarão à sorrelfa, aspirarão a desgraça através de diminutos buracos na traquéia, olhos buliçosos e néscios. Nostálgicos, súplices, buscar-me-ão. Em vão.

Carlos Cruz - 28/02/2009