sexta-feira, 11 de abril de 2008

O Massacre do Ferro Elétrico ou A Fábula da Consolação




Cena I: O Grito
"AAAAAAAaaaaaaahhhhhhhhhhh!!!!!!!!!! Desgraçada!!!! Filha da puuuuutaaaaa!!!"

Cena II: Os Cadáveres
Elas não tiveram a menor chance, nenhuma escapou. Todas queimadas, todas perdidas, todas irrecuperáveis. Todas. Algumas tinham manchas; outras, buracos. Sempre o mesmo desenho, nas costas ou na frente, nas costas e na frente. Retorcidas de um jeito macabro, pareciam rostos em agonia. Rodolfo não queria acreditar no que seus olhos viam. Gritava, xingava, chorava. Suas adoradas camisas de seda haviam virado trapos.

Cena III: A Motivação
O amontoado de camisas ocultava o elemento fundamental ao entendimento da atitude tresloucada da criminosa: a bela e vermelha mancha de batom em forma de boca no colarinho da camisa branca.

Cena IV: O Desequilíbrio
"Isso não é justo. Deixo-a à vontade para sair com quem quiser, dar para quem quiser. E eu? Não posso sequer dar uns amassos na secretária? Sacanagem isso. Sacanagem da grossa."

Cena V: O Desejo
Vingança. Retaliação. "Vendetta". Tais palavras alternavam-se no cérebro de Rodolfo. Tinha de dar o troco à altura, degustar o tal prato frio. Destruir aquilo que ela mais prezava. Mas o quê? Refletiu, pensou, pensou, refletiu... Súbito, os olhos brilharam, a boca esboçou um sorriso malévolo. "Já sei." - falou, entredentes, antes de dirigir-se ao quarto de ferramentas.

Cena VI: O Morticínio
Eles bem que tentaram escapar. Pularam para cá, pularam para lá. Um grandão quis esconder-se no ânus de Beethoven, que ganiu, mordeu e destroçou com os dentes. Talvez alguns até conseguissem fugir se acaso não fossem desprovidos de pernas. Ademais, Rodolfo estava furioso, os olhos injetados, a cara vermelha, não teria compaixão. E não teve. Martelo em punho, perseguiu e capturou um a um, depositando-os na gaiola do canário belga, o qual, espertamente, preferiu não ficar para ver o desfecho: aproveitando-se da confusão, tratou de bater as asas e voar para bem longe. Após encarcerar o último fugitivo, teve início a sessão de tortura e morte. Rodolfo prendeu o primeiro na morsa, ergueu o martelo e... cravou-lhe o prego no alto da cabeça, de onde escorreu um filete de látex branco, formando uma pequena poça leitosa numa das mandíbulas da morsa. Depois veio outro prego. E mais outro. Da gaiola, os outros apenas observavam, apavorados, o companheiro transformar-se em um autêntico Pinhead, aquele sinistro personagem do filme Hellraiser. Alguns choravam, outros gritavam, outros mais rezavam, à espera de um milagre que não aconteceu. Tiveram todos o mesmo destino do primeiro.

Cena VII: O Conflito
- AAAAAAAaaaaaaahhhhhhhhhhh!!!!!!!!!! Desgraçado!!!! Filho da puuuuutaaaaa!!! - gritou Sabrina ao deparar-se, estupefacta, com a pilha macabra cuidadosamente montada ao lado da grande cama de mogno.
- Olho por olho, dente por dente, querida. Quem com ferro fere, com ferro será ferido. Destruiu minhas camisas de seda importadas, acabei com sua coleção de consolos.
- Seu corno! Traidor! Você mereceu!
- Mereci o cacete! Só porque dei uns pegas na secretária? Porra, você já deu pra um monte de caras!
- Mas o que foi que combinamos? Eu podia transar com quem eu quisesse, você não!
- Tá. Mas não precisava estragar minhas camisas. Você sabia o quanto eu gostava delas.
- E você sabia que eu sou ciumenta... Porra... Precisava sacrificar até os vibradores?...

Cena VIII: A Reconciliação
- Amor... Você me perdoa? - indaga Rodolfo, olhos mareados.
- Claro... E você, também me perdoa? - soluça Sabrina.
- Claro que sim. Eu te amo.
- Também te amo.
Lágrimas. Abraços. Beijos. Sexo.

Cena IX: A Felicidade
Manhã do dia seguinte. Shopping e Sex Shopping. Rodolfo comprou logo duas dúzias de novas e reluzentes camisas de seda, importadas e de diversas cores, enquanto Sabrina, radiante, pagava com cartão suas novas aquisições: trinta consolos de cores e tamanhos diferentes, duros, vibrantes e até mesmo alguns falantes. A vida do casal normal voltou ao normal no mundo normal das pessoas normais.

Carlos Cruz - 12/04/2008