sexta-feira, 16 de setembro de 2011

mundo perro - parte 2




delegacia cheia. à porta, fila. burburinho que ocasionalmente virava falatório que virava gritaria. era hora de chamar o investigador santiago. mãe angolana e pai sueco, santiago era um misto de hércules com zumbi dos palmares, um mulato de dois metros e dez, forte como um estivador, de olhos claros e cara de bebezão. sim, aquele homenzarrão (ai, meu deus! que bofe é esse? remeti (ã?) ao amigo do salão. inevitável.) tinha traços delicados, bochechudo como um bebê de oito meses. daí a alcunha babyssauro, pronunciada entredentes, na delegacia. contudo, a impostura que faltava ao rosto sobejava no tamanho. santiago apareceu no andar de baixo. inopinado. nem precisava dizer nada, bastava chegar e ser visto. mas, a pseudotruculência era mais que uma ferramenta de trabalho, era uma necessidade pessoal, um recurso - eficaz, é verdade - para tentar rebater a brandura transmitida pela cara de neném. e ele disse, disse não, esbravejou (tá legal, sou besta, pronto): VAMOS PARAR COM A PORRA DESSA ALGAZARRA AQUI NA DELEGACIA! ONDE VOCÊS PENSAM QUE ESTÃO, CAMBADA DE FILHOS DA PUTA, NA MERDA DA CARALHA DA FODIDA DA CASA DE VOCÊS? PORRA! O PORRA! sempre arrematava o esculacho verbal, uma espécie de fechamento triunfal, "chave de ouro", diria professor diocleciano, do curso de oratória. O fato é que o esporro funcionou, mais uma vez. infalível, indefectível, batata. Atravessei a turba estática e com grandes olhos e quebrei o silêncio sepulcral: Santiago, segura aí. Vou comer alguma coisa. tá. mas vê se volta hoje. Vou tentar.

A noite estava fria, escura e malcheirosa. Uma brisazinha gelada e incômoda com odor de comida podre e urina esgueirava-se pelas frestas de meu paletó vagabundo comprado na loja do turco. Turco filho da puta! Vendia merda pelo preço de merda. Pensando bem, era justo. Pensando bem, o fodido era eu. Mamãe sempre dizia: estuda filho, estuda pra virar doutor e ganhar bem. Não. Não segui o conselho de mamãe. Virei polícia. Horas e horas perdidas com a cara enfiada em apostilas, livros, monitor do computador. A prova massacrante, a tonteira no final, o tombo-semi-desmaio. Um quase infarto no teste físico. Um quase surto no psicotécnico. Pra quê? Pra ganhar um salário de fome, ser taxado de corrupto e truculento pelos putos que jurei defender, sacrificar a própria vida se preciso for. Pensando bem, filho da puta era o sistema, o estado, o governo. Pensando melhor (e para encerrar a costumeira diatribe muda), o filho da puta era eu.