terça-feira, 17 de março de 2009

Reclamação





"Ajude-me, Pai!" - clamou ao firmamento, face contrita, fronte rugosa, o decrépito pedófilo, ao ouvir a sentença gutural e irrecorrivelmente capital do ancião de maneiras afetadas, refinada e negra estampa, cabalmente acompanhada pelos implacáveis golpes do bem-talhado macete.
Renovou a súplica, com lacrimosa veemência, do alto do patíbulo, alheio às gargalhadas zombeteiras da multidão ensandecida, azafamada e aflita pelo desfecho mórbido do espetáculo burlesco. Nem a constrição nem o desconfortável prurido produzido pela corda cercearam o movimento de seus olhos rumo aos altos céus.
Os pais reafirmaram aos filhos a plena realização da Justiça Divina. Citadino não houve, dentre os que presenciaram a macabra atração, que considerasse a concomitância entre a reiterada deprecação do condenado, a alada e longínqua defecação do abutre, a milimétrica e fétida precisão da carga excretória e a fatal abertura do alçapão, apenas uma coincidência. Ao cair da noite, recolheram-se todos. Rezaram. Adormeceram. Sonharam lindos sonhos brilhantes.
O velho, sob o cadafalso, permaneceu alguns dias. Suspenso, balouçante, andrajoso, putridamente nauseabundo. Depois, vieram os abutres.

Carlos Cruz - 17/03/2009