quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Absinto





queria tomar o tal absinto pra ver qual é que é a do tal absinto. mas não se toma uma bebida desse jaez, com toda sua densa aura verde, de uma maneira qualquer, nem se toma tampouco um absinto qualquer. não. depois de esbarrar com a fada nos livros e filmes da vida, não poderia interagir com uma ninfa alada made in brazil, mesmo porque - para enorme frustração da xuxa - não há fadas verdes no brasil; só a cuca, mas a jacaroa de franjinha tem mais a ver com poções à base de perna de sapo, cuspe de mosca e asa de morcego. ademais, o absinto tupiniquim tem só (só???) 54 % de álcool. assim não pode, assim não dá. como diz, acertadamente, Suzana Muniz (olha, rimou!), beber absinto demanda todo um intrincado -  e devotado - ritual, algo semelhante a uma sessão mediúnica, com direito a mesa ouija, incenso, livros recendendo a mofo, declamação dO Corvo do Poe, enfim, todo um aparato místico-romântico-gótico-literário para não ferir o brio nem ofuscar o brilho negro dos espíritos afins, a fim de bebericar conosco. bem, consciente de que nas prateleiras de nosso "shopping bramil" não se encontra a beberagem (só uma espécie de ice absinto, fraco e adocicado), iniciei a busca em nossa adorada internet. descobri que os melhores absintos são produzidos na tchecoslováquia, digo, na república tcheca, uma das marcas tem um nome bem sugestivo: King Of Spirits, e exibe o circunspecto rosto de Van Gogh no rótulo. o outro é um tal de Hill's. porém, lamentavelmente (ou não), essas marcas não se acham em terra brasilis, só importando, porém o imposto de importação e especialmente minha mensal remuneração me proíbem essas extravagâncias. contudo, sou brasileiro, quase alcoólatra, e não desisto jamais. achei uma artemisia absinthium engarrafada que atendia satisfatoriamente aos meus anseios: Absinto Hapsburg Premium Rerserve, 750 ml, graduação alcoólica: 89,99%, made in U.K. Não me contive e acabei mandando um "Deus salve a rainha!", em detrimento de minhas convicções anti-monarquistas. Conheceria, enfim, a sininho do peter pan. Todavia, uma vez mais, a euforia alcoólico-literária se escafedeu, meu sorriso cedeu lugar à cara de bebê cagado. o preço. engoli a saliva e li: R$126,00. nesse momento, sempre me vêm à mente os orçamentos no excel, a caixa do correio repleta de contas, os telefonemas de cobrança, a cara implacável de falso compadecimento do gerente do banco. não. não dá. Degas, Van Gogh, Picasso e Hemingway terão de esperar. Se a vontade apertar, tem álcool pring lá no armário da área de serviço. a gente mistura umas ervas, sei lá, carqueja, tomilho, alfavaca, manjerona, açafrão, hortelã amassadas no pilão, taca limão e vê no que dá. não vemos a fada verde mas ao menos matamos algumas lombrigas.

Carlos Cruz - 08/11/2012